Uma tecnologia que auxilia as plantas a absorver fósforo já gerou benefícios estimados em R$ 4,2 bilhões ao Brasil desde 2019, data de seu lançamento, até a safra 2022/2023. Desenvolvido pela Embrapa em parceria com a também brasileira Bioma, o inoculante solubilizador de fosfato, conhecido pelo nome comercial BiomaPhos, expandiu a sua presença em lavouras de 228 mil hectares, na safra 2018/2019, para mais de 4 milhões de hectares no atual período agrícola. Durante esses cinco anos, o bioproduto impactou a soma de mais de 10 milhões de hectares que receberam o produto. O retorno financeiro estimado foi baseado no aumento da produtividade proporcionado pela aplicação do inoculante.
“Além de ser uma solução tecnológica inovadora e sem precedentes no mercado, o solubilizador de fosfato é possivelmente o maior caso de sucesso de adoção de uma tecnologia da Embrapa nos últimos anos”, relata Christiane Paiva (foto à direita), pesquisadora da área de Microbiologia do Solo da Embrapa Milho e Sorgo (MG), responsável pela pesquisa que chegou aos produtos comerciais. A tecnologia começou nas lavouras de milho e atualmente beneficia também as culturas de soja, cana-de-açúcar e feijão.
O pesquisador Rubens Augusto de Miranda (foto abaixo, à esquerda) realizou um estudo que registrou a expansão do uso do bioinsumo ao longo do tempo. “A confirmação da eficiência do produto nos dois primeiros anos resultou no grande sucesso na safra 2020/2021, quando alcançou a marca de 2,45 milhões de hectares. Em 2021/2022, chegou a 2,77 milhões de hectares e, na safra seguinte, alcançou novo recorde com quase 4 milhões de hectares de área plantada. A expectativa é que em 2023/2024 a área de adoção de inoculantes solubilizadores de fosfato com tecnologia da Embrapa ultrapasse 5 milhões de hectares”, revela o cientista. Os dados estão no Balanço Social da Embrapa de 2023 e a área de adoção foi estimada a partir da quantidade de doses comercializadas pela Bioma.
A quantia estimada de R$ 4,27 bilhões (exatos R$ 4.272.442.785,31) em benefícios ao produtor é consideravelmente superior aos custos de desenvolvimento da tecnologia: cerca de R$ 53,3 milhões até esse período. “Esses números atestam a importância dos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação para a agricultura nacional”, comenta o pesquisador.
Expansão internacional
Christiane Paiva conta que a solução disruptiva extrapolou o mercado nacional e chegou ao exterior. “Ela começou a ser avaliada nos Estados Unidos em 2022, quando obteve a liberação de uso em 14 estados americanos, incluindo os que compõem o chamado Cinturão do Milho, o Corn Belt,” conta a pesquisadora.
De acordo com ela, em maio de 2024 o produto foi registrado na Alemanha, no Canadá, na Argentina, no Paraguai, na Bolívia e na Costa Rica. No Uruguai, está em fase de registro. “A tecnologia foi validada no campo nos Estados Unidos, Canadá e Alemanha com ganhos médios de produtividade de 17 sacas de milho por hectare nas áreas avaliadas e de 10 sacas de soja por hectare”, reforça Christiane.
Como funciona a bissolubilização de fósforo?
Apenas 0,1% do elemento fósforo (P) está prontamente disponível para absorção imediata pelas plantas. Estudos conduzidos pela Embrapa revelam que há um estoque bilionário de fósforo nos solos, que se encontra inerte e não pode ser aproveitado pelas plantas.
“Em alguns solos de plantio direto, cerca de 88% do fósforo encontra-se em forma orgânica, indisponível para ser absorvido pelas raízes, e precisa ser mineralizado para esse fim. As bactérias solubilizadoras de fosfatos conseguem disponibilizar o elemento para a planta, atuando de forma agronômica nesse grande estoque presente na natureza”, explica Christiane Paiva.
O primeiro inoculante comercial brasileiro para a solubilização de fosfato foi produzido a partir de microrganismos tropicais, selecionados pela Embrapa. O inoculante líquido é recomendado para tratamento de sementes ou aplicação via jato dirigido no sulco de semeadura.
De acordo com Paiva, os Bacillus presentes nos produtos comerciais se multiplicam mais facilmente e colonizam de forma mais eficiente a região da raiz da planta, a rizosfera, iniciando a produção de diferentes substâncias que atuam no processamento do fósforo, chamadas de solubilizadores, tornando esse nutriente mais disponível para a absorção e assimilação pelas plantas. Além disso, a pesquisadora explica que os Bacillus atuam na mineralização do fósforo presente na matéria orgânica do solo por meio da liberação de enzimas fitases, dando maior aporte desse elemento para o cultivo.
Segundo ela, nas avaliações realizadas em áreas de produção de milho, a aplicação do produto resultou em ganho médio de produtividade de 8,9% e aumento de 19% do elemento fósforo exportado para os grãos. Para a soja, a média de produtividade saltou de 67,2 sacas por hectare para 71,6 sacas, além do aumento de 14% do conteúdo de fósforo nos grãos. No caso da cana-de-açúcar, os ganhos em toneladas por hectare ficam acima de 14%, além de incremento de 12% para toneladas de açúcar.
Histórico da pesquisa e expansão de mercado
O inoculante solubilizador de fosfato foi lançado em agosto de 2019 (veja aqui), após mais de 19 anos de pesquisas, por meio de uma parceria público-privada entre a Embrapa e a empresa Bioma. Inicialmente, foram conduzidas ações voltadas para o isolamento de cepas eficientes para solubilização de fosfato, coletando-se amostras de solo, planta e raiz em áreas agrícolas representativas das culturas de milho e soja.
Posteriormente, realizou-se o processo de screening (rastreamento) em bancada para a seleção das cepas mais eficientes na solubilização de vários tipos de fosfatos e produção de substâncias promotoras de crescimento da planta, segundo relembra Christiane Paiva. De acordo com ela, as cepas foram caracterizadas para testes em casa de vegetação e campo. “Foram selecionadas as cepas das bactérias Bacillus subtilis, que solubiliza fosfato de cálcio e ferro e apresenta alta produção de ácido glucônico e da enzima fitase – e Bacillus megaterium (isolada da rizosfera de milho, com capacidade de solubilizar fosfatos de cálcio e produzir fosfatase). Essas duas estirpes foram isoladas de áreas agrícolas no País, nas quais prevalece o cultivo de cereais e possuem propriedades de promoção de crescimento, estimulando o aumento da superfície radicular. Também registramos a produção de biofilme, que pode ajudar a proteger as plantas contra pragas e doenças, além de promover o crescimento das culturas por meio da disponibilidade de nutrientes”, explica Paiva.
Após a comprovação dos bons resultados da pesquisa desenvolvida pela Embrapa, foi estabelecida, ainda em 2016, a parceria com o parceiro privado, que estabeleceu os índices de produção em larga escala e executou os testes de diferentes formulações, culminando com o lançamento do produto comercial em 2019, indicado inicialmente para milho.
Em 2021, foi obtido o registro para as culturas da soja e da cana-de-açúcar no Ministério da Agricultura (Mapa). O produto foi registrado no fim de 2023 também para a cultura do feijoeiro, trazendo incrementos de produtividade de 14%, dados avaliados em diversas regiões do País, em campos experimentais da Embrapa Arroz e Feijão. “Novos registros de uso do produto estão sendo validados agronomicamente, como para a cultura do sorgo, arroz, tomate, batata, entre outros”, antecipa a pesquisadora.
O mercado de bioinsumos
De acordo com a quinta edição do Outlook GlobalFert 2024, um dos principais provedores de informações estratégicas do segmento, houve aumento de 11% no consumo de fertilizantes em 2023, reflexo do movimento de retomada da demanda de mercado, após um período de restrições, gargalos logísticos e aumento nos preços causados pela guerra entre Rússia e Ucrânia. “A demanda nacional por fertilizantes é extensa e acaba exigindo a importação em alta escala, tendo em vista que 85% dos fertilizantes consumidos no Brasil são importados”, cita a publicação.
A meta brasileira de descarbonização da agricultura vem ao encontro de investimentos em alternativas para reverter essa situação, com o objetivo de aumentar a competitividade da agricultura nacional. “O Brasil se destaca como um dos principais consumidores de bioinsumos em nível mundial, com grandes chances de se posicionar como o maior consumidor desses produtos em escala global até o fim da presente década. Em se tratando de biofertilizantes, o Brasil liderou a primeira posição no ranking de adoção no primeiro semestre de 2023, com 36% de penetração, ficando à frente da União Europeia (25%) e China (22%)”, segundo informações da GlobalFert.