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Pesquisadores pedem discussão global sobre possíveis riscos de bactérias-espelho

Um grupo de 38 pesquisadores de nove países – incluindo especialistas em imunologia, fitopatologia, ecologia, biologia evolutiva, biossegurança e ciências planetárias – publicou um artigo nesta quinta-feira (12/12), na revista Science, sobre os riscos potenciais do desenvolvimento de bactérias-espelho – organismos sintéticos nos quais todas as moléculas são invertidas (ou seja, foram espelhadas). A pesquisadora Daniela Bittencourt, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF), é uma das coautoras do artigo, a única cientista da América Latina a participar.

Cientistas já trabalham para criar bactérias-espelho há pelo menos uma década, mas nos últimos anos foram registrados progressos significativos nessa área. O artigo publicado hoje conclui que, se criados, esses organismos podem representar perigo para humanos, animais, plantas e saúde ambiental.

Os autores apelam para a necessidade de um amplo diálogo a fim de traçar um caminho para uma melhor compreensão e mitigação de riscos potenciais das bactérias-espelho. A publicação na Science é acompanhada de um relatório técnico detalhado de 300 páginas.

Embora não exista uma ameaça iminente, o artigo conclui que esses organismos podem representar riscos, pois as defesas imunológicas em humanos, animais e plantas dependem do reconhecimento de estruturas moleculares específicas.

Se essas formas forem refletidas — como seriam nas bactérias-espelho — o reconhecimento seria prejudicado e muitas defesas imunológicas básicas poderiam falhar, potencialmente deixando organismos vulneráveis a infecções.

A análise também sugere que, no ambiente, as bactérias-espelho podem ser capazes de escapar de predadores responsáveis por matá-las e limitar suas populações. Além disso, o transporte por meio de animais e humanos pode permitir a propagação entre diversos ecossistemas. Populações ambientais persistentes e generalizadas de bactérias-espelho exporiam humanos, animais e plantas a um risco contínuo de infecção – uma séria ameaça aos seres humanos e aos ecossistemas globais.

Os autores apelam a um exame mais aprofundado das suas conclusões e ressaltam que, a menos que surjam evidências convincentes de que esses organismos não representariam perigos extraordinários, bactérias-espelho não devem ser criadas.

O artigo marca um ponto de partida para uma discussão mais ampla sobre os riscos das bactérias-espelho, com a participação da comunidade científica global, formuladores de políticas públicas, financiadores de pesquisas e outras partes interessadas.

Vários dos autores do artigo estão envolvidos no planejamento de uma série de eventos ao longo de 2025, incluindo um evento planejado no Instituto Pasteur, na França; na Universidade de Manchester, na Inglaterra; e na Universidade Nacional de Singapura, na Ásia, para examinar as conclusões do artigo e discutir medidas que podem ser tomadas para prevenir riscos de bactérias-espelho.

Ética

Para a pesquisadora Daniela Bittencourt, a comunidade científica tem a responsabilidade de avançar de maneira ética e com uma abordagem rigorosa de biossegurança, assegurando que os benefícios das inovações biotecnológicas não sejam eclipsados pelos riscos potenciais à saúde pública e ao meio ambiente. “Do ponto de vista teórico, as bactérias-espelho oferecem oportunidades valiosas para aprofundar a compreensão da biologia fundamental dos organismos, permitindo explorar como a inversão das orientações moleculares pode impactar o funcionamento celular”, explica Daniela.

Segundo ela, essas bactérias, cujas moléculas são espelhadas, ou seja, com estruturas invertidas em relação às formas naturais, poderiam ter aplicações práticas significativas, como no desenvolvimento de novos materiais, mais resistentes à degradação, e na criação de novos fármacos, mais eficientes e com maior resistência a processos biológicos naturais. No entanto, os autores argumentam que as possibilidades oferecidas pelas moléculas-espelho podem ser alcançadas sem a necessidade de fazer bactérias-espelho.

“Apesar dessas possibilidades, as bactérias-espelho apresentam riscos significativos, conforme destacado no artigo. A preocupação com esses riscos é ainda mais relevante devido aos recentes avanços nas metodologias da biologia sintética, que tornaram a criação de tais organismos mais viável. Portanto, é crucial que haja uma colaboração estreita entre cientistas, formuladores de políticas e reguladores para garantir um avanço responsável da biotecnologia, equilibrando inovação com a devida precaução”, assinala a pesquisadora.

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