Os pedidos de recuperação judicial em Mato Grosso do Sul aumentaram 666,67% no segundo trimestre deste ano, passando de três para 23 casos, conforme aponta o levantamento da Serasa Experian.
O crescimento ocorre na modalidade em que os produtores rurais atuam como pessoa física.
O estudo revela ainda que nos últimos anos o Estado apresentou um cenário de recuperação judicial bem mais moderado em comparação a este ano. Em 2023, houve um total de 10 pedidos de recuperação judicial ao longo do ano, enquanto em 2022 não foi registrado nenhum pedido. Já em 2021 houve apenas um único caso.
Esses números demonstram que o aumento expressivo observado no segundo trimestre deste ano é uma mudança significativa em relação à estabilidade dos anos anteriores.
O doutor em Economia Michel Constantino pondera que fatores como clima, taxa de juros elevada e falta de planejamento podem ter motivado o cenário em MS, destacando ainda que, em geral, as propriedades rurais atuam como pessoa física.
“Uma grande parcela dos produtores rurais não fizeram um planejamento. Pensaram que, por exemplo, a taxa de juros não aumentaria, pensaram que o crédito expandiria mais, com juros mais baratos nesses próximos anos”, elenca.
Para Constantino, há um terceiro ponto: a mudança climática. “Uma variação climática tão forte como teve [neste ano], realmente a seca, as temperaturas, as queimadas foram uma das maiores de todas, então tudo isso agravou bastante”, frisa.
O quarto indicador que também impacta a questão é a China, que está desacelerando. “Ela não está aumentando o consumo, continua consumindo os produtos brasileiros, mas está reduzindo o consumo. Então, isso tudo impacta na compra, reduz a receita do produtor rural”, analisa Constantino.
O doutor em Administração Leandro Tortosa complementa que a situação de insolvência vivenciada pelo produtor – quando não se consegue honrar os compromissos financeiros – acaba por resultar na solicitação de recuperação judicial, o que também pode ser atribuída nesse caso pela dificuldade na renegociação.
“Então, vai renegociar dívida, ter linha de crédito mais vantajosa, você não tem acesso. Outra coisa, menor proteção jurídica também. Então, pessoa jurídica geralmente garante uma estrutura mais robusta de proteção contra falência e recuperação judicial. Quando você tem pessoa física na jogada, eles [os produtores rurais] ficam mais expostos a falhas em operações, e isso acaba então prejudicando”, detalha.
Outra questão evidenciada por Tortosa é o cenário observado em MS e no Brasil como um todo. “A questão das mudanças climáticas, essa instabilidade que nós tivemos recentemente, com seca mais prolongada e intensa, e quando tem chuva ela vem mais excessiva, ou seja, esse cenário de extremos climáticos afeta diretamente a produtividade agrícola”, corrobora.
NACIONAL
No cenário nacional, o número de pedidos de recuperação judicial entre produtores rurais que trabalham como pessoa física entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano aumentou em seis vezes, alcançando 214 solicitações, segundo a Serasa Experian. Na comparação com o segundo trimestre de 2023, foram identificados quatro solicitações do tipo.
Para o chefe de Agronegócio da Serasa Experian, Marcelo Pimenta, os eventos climáticos, a elevação da taxa de juros, o preço baixo das commodities e a alta dos custos de produção foram agentes que impactaram negativamente a estabilidade financeira no campo.
Os dados da Serasa também mostram que os pequenos proprietários rurais apresentaram 44 solicitações, seguidos pelos grandes (36) e também pelos médios (35).
Considerando o recorte por estado, Mato Grosso teve 57 pedidos, Goiás registrou 54 e Minas Gerais identificou 35 requerimentos. Mato Grosso do Sul teve 23 solicitações e Paraná ficou com 12. Os demais casos foram distribuídos em outras unidades da Federação.
ESTRATÉGIA
O advogado Carlos Henrique Santana esclarece que a Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei Federal
nº 11.101/2005) é aplicável aos produtores rurais que exercem atividade empresarial.
“Isso significa que produtores rurais que atuam com fins lucrativos e organização empresarial podem recorrer à recuperação judicial se enfrentarem dificuldades financeiras”, cita.
Professor de Direito Empresarial e coordenador do curso de Direito da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Luiz André de Carvalho Macena complementa que a lei, nesse caso, auxilia os empresários ao permitir a renegociação das dívidas por meio de um plano previamente estabelecido, no qual credores e devedores podem renegociar suas obrigações em condições reais de pagamento, tendo o Estado-juiz como supervisor do processo.
“Em resumo, essa lei orienta a atuação de credores e devedores, com supervisão e requisitos legais, em busca de uma solução para crises econômicas e financeiras. É um processo multidisciplinar, com a participação de vários profissionais. O mais importante é a manutenção da atividade econômica e a geração de riqueza mesmo durante a crise vivenciada”, acrescenta.
Macena explica que, em relação à modalidade de pessoa física, todos aqueles que exploram atividade econômica devem se submeter a um regime jurídico próprio. Esses regimes jurídicos trazem benefícios
e obrigações diferenciadas.
Assim, segundo ele, cabe ao empreendedor escolher o regime que esteja melhor adequado à sua situação e à realidade do seu negócio.
Correio do Estado