Anastrepha curvicauda, Bactrocera dorsalis e Lobesia botrana são nomes desconhecidos da maioria dos produtores brasileiros de frutas. Elas já causam prejuízos em outros países, mas ainda não foram encontradas por aqui – são consideradas pragas quarentenárias ausentes. Se um dia chegarem, poderão se tornar uma preocupação constante para os agricultores, atacando diversos cultivos e causando prejuízos significativos, além de impactar o comércio internacional. A estratégia da pesquisa é se antecipar e prever os prováveis locais no Brasil em que esses insetos teriam condições de se desenvolver.
A Embrapa mapeou as regiões do Brasil e as épocas do ano em que essas pragas encontrariam um ambiente favorável para seu desenvolvimento, devido às condições climáticas e à presença de cultivos hospedeiros. A instituição ainda identificou potenciais inseticidas e agentes de controle biológico que poderiam ser utilizados caso esses insetos-praga sejam detectados no País. Para ambos, já identificou em quais locais essas estratégias de controle seriam melhor utilizadas como parte do Manejo Integrado de Pragas (MIP), considerando também áreas frágeis nacionais (com solos porosos e aquíferos).
O analista Rafael Mingoti, da Embrapa Territorial (SP), que está à frente desse trabalho, explica que para fazer esse zoneamento são utilizados dois métodos principais. Quando há informações sobre quais faixas de temperatura e umidade permitem o crescimento ótimo deles, a equipe utiliza esses dados e os associa com séries históricas de registros climatológicos e o mapeamento da presença das plantas hospedeiras no Brasil, para identificar, mês a mês, em quais municípios há condições favoráveis para o desenvolvimento. “Com esse método, nós podemos ter as áreas com clima favorável em diferentes recortes de tempo: mensal, quinzenal, decenal”, conta o analista.
Já quando ainda não há dados de ensaios laboratoriais disponíveis para as pragas ou para os bioagentes de controle, os especialistas lançam mão de algoritmos, que cruzam dados ambientais de regiões já afetadas no exterior com condições similares no território brasileiro. Essa foi a estratégia a que recorreu a equipe da Embrapa no caso da Anastrepha curvicauda.
Conheça as pragas-quarentenárias estudadas
Bactrocera dorsalis: a ameaça da mosca-das-frutas-oriental
Para a Bactrocera dorsalis (foto acima), conhecida no exterior como mosca-das-frutas-oriental, a Embrapa identificou o período entre julho e outubro como o mais propício ao desenvolvimento dessa praga, que ataca uma ampla variedade de culturas, como abacate, banana, cacau, café, caju, caqui, citros, feijão, goiaba, maçã, mamão, manga, maracujá, melão, melancia e tomate.
Os zoneamentos identificaram como favoráveis importantes microrregiões produtoras de frutas, nas Regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Alguns municípios da primeira poderiam ser afetados pela praga durante todo o ano, o que aumenta a preocupação. “Quando há um relato oficial de ocorrência de praga quarentenária no País, ocorrem barreiras de mercados interno e externo, impactando transporte, comercialização e exportação”, alerta Mingoti. Acesse aqui as publicações sobre a Bactrocera dorsalis
Anastrepha curvicauda: perigo para o mamão e a manga
A Anastrepha curvicauda (foto acima), principal praga do mamoeiro no exterior, conhecida como mosca-das-frutas-do-mamão, também preocupa. O Brasil, segundo maior produtor mundial de mamão, pode sofrer com a entrada desse inseto, que também ataca a manga, importante produto de exportação.
O zoneamento identificou favorabilidades para o desenvolvimento da praga em 721 municípios de todas as regiões geográficas, incluindo estados produtores dessas frutíferas nas Regiões Sudeste, Sul e Nordeste. Áreas próximas a países sul-americanos onde a praga já está presente também foram identificadas como vulneráveis. Acesse aqui as publicações sobre a Anastrepha curvicauda.
Lobesia botrana: a traça europeia dos cachos da videira
A traça europeia dos cachos da videira (foto acima), conhecida cientificamente como Lobesia botrana, é uma praga que ataca uma variedade de cultivos no exterior, como ameixa, amora, caqui, kiwi, oliveira, pêssego, maçã, nectarina, pera e uva. Considerada uma das principais pragas da uva em diversas partes do mundo, incluindo as Américas do Norte e do Sul, sua presença é monitorada de perto.
Para mapear as áreas nacionais mais favoráveis ao desenvolvimento da praga, foram realizados dois zoneamentos: um para as videiras e outro para as demais culturas hospedeiras. Os resultados para o zoneamento, considerando apenas a uva como hospedeira, indicaram condições favoráveis à proliferação da Lobesia botrana durante todos os meses do ano nas Regiões Centro-Oeste e Sudeste, além de na maioria dos meses na Região Nordeste, com variações mensais conforme cada região do País.
Na Região Sul, que está mais próxima de países sul-americanos já afetados pelo inseto, a favorabilidade ocorreu principalmente entre outubro e abril, também com variações de acordo com a unidade da federação. Quando os zoneamentos mensais levaram em consideração as dez culturas hospedeiras do inseto, a aptidão para o desenvolvimento da praga foi registrada em todos os meses do ano nas Regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, novamente com variações conforme a unidade da federação.
Na Região Sul, a aptidão seguiu o mesmo período observado nos zoneamentos para a uva, predominando nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná. Em ambos os zoneamentos mensais realizados, a Região Sul apresentou os mesmos padrões de favorabilidade. Acesse aqui as publicações e relatórios técnicos sobre a Lobesia botrana..
Agrotóxicos e controle biológico: preparação antecipada
Em se tratando de pragas quarentenárias ausentes, ainda não existem produtos químicos ou biológicos registrados e autorizados para o seu controle no Brasil. Portanto, caso ocorram surtos populacionais após uma eventual entrada dessas espécies, seria necessário iniciar um processo emergencial de pesquisa e registro, como ocorreu com a Helicoverpa armigera, considerada praga quarentenária ausente até sua efetiva identificação no País, em 2013.
Conforme explica a coautora do estudo Maria Conceição Young Pessoa, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente(SP), para antecipar esse cenário, a Embrapa realizou um levantamento internacional sobre agrotóxicos e agentes de controle biológico já utilizados no exterior contra as três pragas. Foram avaliados 41 princípios ativos para Lobesia botrana, 8 para Anastrepha curvicauda e 23 para Bactrocera dorsalis, considerando propriedades físico-químicas e potencial de impacto ambiental, como lixiviação e escoamento superficial.
Inimigos naturais são uma alternativa
Para o controle biológico, a Embrapa identificou potenciais inimigos naturais e agentes de controle biológico em uso no exterior. A pesquisadora da Embrapa Jeanne Marinho Prado ressalta que a equipe selecionou pelo menos um inimigo natural para cada praga estudada, a partir de um levantamento bibliográfico, priorizando espécies já relatadas no Brasil para uma resposta mais rápida em caso de entrada das pragas no território nacional. “Foram realizados zoneamentos de áreas favoráveis com base nessas informações, tanto para as pragas quanto para os bioagentes, permitindo a combinação de dados e a orientação do manejo integrado de pragas, com vistas a minimizar o uso de agrotóxicos, em caso de necessidade, e reduzir os impactos ambientais”, relata.
Cooperação e sustentabilidade
Todos os resultados e informações foram compilados em relatórios detalhados para a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), visando subsidiar políticas públicas oficiais e regulamentações para o controle fitossanitário das pragas. “A identificação de potenciais agrotóxicos e agentes de controle biológico são fundamentais para que, no caso de ingresso das pragas em território nacional, possam ser realizadas medidas como a liberação emergencial de registro de produtos agrotóxicos e de controle biológico para fins de controle dos insetos. Existindo um referencial teórico sobre o assunto, facilita-se a tomada de decisão do gestor para fins de liberação de produtos mais efetivos e que não ponham em risco áreas vulneráveis”, diz José Victor Alves Costa, coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins (CGAA/SDA) do Mapa.
A equipe responsável pelo trabalho contou com a participação de diversas unidades da Embrapa: Meio Ambiente, Amapá, Semiárido, e Territorial, além de fiscais federais do Mapa.