O agronegócio de Mato Grosso do Sul pode enfrentar um colapso logístico nos próximos anos, com a infraestrutura de transporte sendo pressionada pela crescente demanda de exportação de grãos. A predominância do modal rodoviário e a saturação da capacidade portuária nacional, que já opera acima do limite de segurança, ameaçam comprometer o escoamento da produção e inflacionar os custos logísticos.
No cenário nacional, o panorama é igualmente preocupante: mais de 91% da capacidade dos portos brasileiros já está destinada à exportação de grãos, superando o limite operacional seguro, estabelecido em 85%. As projeções pessimistas foram apontadas pela consultoria Macroinfra, em reportagem da Folha de São Paulo.
Conforme o levantamento, a situação poderá se agravar se não houver ampliação da infraestrutura: a demanda projetada para 2028, de 238,9 milhões de toneladas, ultrapassará a capacidade instalada, que hoje é de 234 milhões de toneladas, evidenciando um gargalo crítico para o setor.
De acordo com o analista em comércio exterior Aldo Barrigosse, a infraestrutura de transporte é uma preocupação crescente no Brasil, especialmente para estados estratégicos como Mato Grosso do Sul, que tem o agronegócio como um dos principais setores da economia.
“MS está em posição geográfica privilegiada, mas também enfrenta desafios logísticos estruturais que podem limitar seu potencial competitivo no comércio exterior. Com o aumento esperado na produção agrícola, sem investimentos em infraestrutura, a sobrecarga será adicional, afetando qualidades na cadeia de exportação e na competitividade dos produtos de MS nos mercados internacionais”, diz.
Economista do Sindicato Rural de Campo Grande, Rochedo e Corguinho (SRCG), Staney Barbosa Melo avalia que há uma deficiência estrutural no agronegócio.
“Nosso agro cresce tanto todos os anos que o incremento nas estruturas logísticas não consegue acompanhar este avanço. Em 2016, por exemplo, tínhamos mais de 163 navios graneleiros encalhados nos portos. Na pandemia, também vimos ocorrer a mesma coisa. Agora, em 2024, já se fala em aumento nos custos dos fretes, novamente causados pela pouca oferta de contêineres. E sem medidas para ampliar e modernizar nossa capacidade portuária, certamente veremos episódios cada vez mais frequentes de filas e atrasos em nossas exportações”, avalia Melo.
Ainda de acordo com o economista, a logística nacional afeta sobremaneira o Estado. “A solução do problema passa por entender a necessidade de se investir em novos modais e melhorar os investimentos em infraestrutura de armazenamento”.
ESCOAMENTO
Para os analistas ouvidos pelo Correio do Estado, a principal solução para não sobrecarregar as rodovias é destravar as ferrovias, além de tentar melhorar o transporte hidroviário, para que o escoamento da produção sul-mato-grossense ocorra sem maiores problemas.
A forte dependência do modal rodoviário, que responde por dois terços do transporte de grãos, segundo a consultoria Macroinfra, eleva os custos logísticos e reduz a eficiência. “O caminhão tem um custo muito, muito mais elevado do que uma ferrovia ou uma hidrovia”, afirma Olivier Girard, da Macroinfra, à Folha de São Paulo.
Barrigosse avalia que a alternativa estratégica e viável para mitigar os gargalos é a reativação da malha ferroviária, oferecendo uma solução de médio a longo prazo. “Projetos como a Rumo Malha Oeste, integração com a Ferrovia Norte-Sul e a Nova Ferroeste podem transformar a logística regional, reduzindo custos e aumentando a capacidade de escoamento”.
Conforme publicado na edição de ontem do Correio do Estado, após travar o processo de relicitação da BR-163 por um longo período, é o processo de reativação da ferrovia Malha Oeste que segue parado no Tribunal de Contas da União (TCU).
As tratativas para relicitar a malha ferroviária que corta Mato Grosso do Sul de leste a oeste estão travadas há pelo menos 10 meses e, mesmo com novas conversas sobre um acordo entre a concessionária Rumo Logística e o Ministério dos Transportes, nada foi concretizado.
O Ministério dos Transportes quer acelerar a renovação da concessão da ferrovia entre MS e São Paulo com um novo contrato de 30 anos. A promessa era de que uma proposta de solução consensual seria apresentada em junho deste ano, por um grupo de trabalho (GT) criado pelo Ministério.
A Malha Oeste tem 1.973 km de extensão, entre as cidades de Corumbá e Mairinque (SP). A maior parte da ferrovia está em MS, que abrange um trecho de aproximadamente 800 km, entre Corumbá e Três Lagoas, e outro de pouco mais de 300 km, entre Campo Grande e Ponta Porã.
De olho no corte de custos, o plano é prorrogar a concessão por mais 30 anos, evitando o vencimento do contrato atual, pois um novo processo de relicitação seria mais extenso e custoso.
O analista em comércio exterior ainda destaca outras possibilidades para melhorar o transporte da produção.
“Desenvolver hubs logísticos próximos às áreas produtoras e conectados a diferentes modais e ampliar e modernizar as hidrovias. Essas ações em conjunto são fundamentais, já que focar exclusivamente nas ferrovias pode não ser suficiente para atender à demanda crescente. É crucial que o planejamento seja integrado, com políticas que incentivem investimentos contínuos em todos os modais logísticos”, finaliza Barrigosse.