O Senado aprovou, em regime de urgência, nesta quarta-feira, 21/05, por 54 votos favoráveis e 13 contrários o novo projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que reúne normas a serem seguidas pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e uniformiza os procedimentos para emissão de licença ambiental em todo o país. O texto retorna à Câmara dos Deputados.
É pelo licenciamento ambiental que o poder público autoriza a instalação, ampliação e operação de empreendimentos que utilizam recursos naturais ou podem causar impacto ao meio ambiente. O texto, que abarca normas gerais e diretrizes, uniformiza os procedimentos para emissão de licença ambiental em todo o país e simplifica a concessão de licenças para os empreendimentos de menor impacto.
Relator da matéria na Comissão de Meio Ambiente (CMA), o senador Confúcio Moura (MDB-RO) destacou, durante os trabalhos, que o texto aprovado partiu de 70 a 80 divergências iniciais do parecer da senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora da matéria na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), e chegou a poucos itens que foram destacados em plenário.
“Não ficou nem tanto ao mar nem tanto à terra. Ficou o que foi possível; o possível. (…) Essa lei geral visa regulamentar o artigo 225 da Constituição. A gente vem navegando neste tempo todo com centenas de legislações paralelas”, disse o relator Confúcio. Vários senadores discursaram em favor do projeto e elogiaram o equilíbrio da proposta aprovada. O PT foi o único partido a encaminha o voto NÃO ao projeto.
Ao defender a proposta, a senadora Tereza Cristina lembrou que o texto foi discutido por um ano e meio com o governo e a sociedade. A parlamentar declarou que o “Senado deu um fim ao cipoal legislativo” composto por leis que, segundo ela, confundem e paralisam os processos. Além disso, a senadora argumentou que, muitas vezes, essas leis sobrepõem competências de União, estados e municípios, causando insegurança jurídica.
“É claro que o meio ambiente precisa ser preservado, mas a lei que nós estamos discutindo não revoga nenhuma punição por crime ambiental. Nenhuma. Muito pelo contrário, até dobra a pena para quem insistir em realizar atividades sem licenciamento. Crime ambiental continuará sendo crime. Essa lei não modifica isso. A lei não fragiliza o licenciamento. As atividades poluidoras de alto impacto continuarão a ter de passar por uma série de exigências”, enfatizou a senadora.
Licença por adesão
O texto instituiu para todo o país a LAC (Licença por Adesão e Compromisso), viável apenas para atividades ou empreendimentos qualificados e de pequeno ou médio porte e baixo ou médio impacto ambiental. Tereza Cristina salientou que as LACs já existem em vários estados e não são uma “jabuticaba desse projeto”.
“O licenciamento é importante sobretudo para as cidades. No campo, nós temos o Código Florestal, que é uma lei rígida que demorou dez anos nesta Casa sendo discutida até ser aprovada, e que se mantém. Não há liberação de desmatamento de vegetação nativa neste projeto, nem para pecuária intensiva de grande porte”, ressaltou.
A LAC para atividades de baixo impacto ambiental já foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e a de médio impacto estará coberta pela nova lei federal, o que sana qualquer questionamento.
“O projeto de lei já tramitou por 17 anos na Câmara dos Deputados e está há quatro anos no Senado, e , na ausência de lei, grandes desastres ambientais ocorreram no país nesse período. Então retrocesso é deixar como está, sem um marco legal válido para todos os setores”, avaliou Tereza Cristina.
“A Lei Complementar 140, de 2011, já determina o que é e quem faz o licenciamento, determina a divisão de competências entre União, Estado e município – não é só Ibama e o Conama que têm atribuições, mas todos os entes federativos”, destacou.
“Ordenamos esse cipoal de regulações com prazos e ritos definidos. O relatório único, fruto de acordo, não atende a todos os anseios de empreendedores e nem de ambientalistas, mas significa um verdadeiro instrumento de mediação, sem exageros de um lado ou de outro, e ancorado em fundamentos jurídicos sólidos que compõem o sistema de licenciamento ambiental”, completou.
Tramitação conjunta
O PL 2.159/2021, da Câmara dos Deputados, foi analisado ao mesmo tempo na Comissão de Agricultura (CRA) e na Comissão de Meio Ambiente (CMA). Os relatores emitiram um texto comum para a proposta. Confúcio destacou o grande interesse da aprovação para o estímulo à economia brasileira. Para ele, o relatório comum das duas comissões foi o “possível” para destravar um projeto que tramita há 21 anos na Casa — somente na Câmara dos Deputados foram 17 anos de tramitação.
Tereza definiu o relatório como uma “construção para o bem do país”. Ela disse esperar que o texto tramite rapidamente na volta à Câmara e citou documento em que 89 entidades representativas do setor produtivo se manifestam a favor do projeto.
Leia abaixo o discurso da senadora na sessão que aprovou o licenciamento ambiental
“Meus colegas senadores e senadoras,
Não é incomum a gente começar um discurso aqui nesta tribuna com a frase: “Hoje é um dia especial”. Mas, realmente, hoje é um dia muito especial, porque vamos enfim votar o novo marco do licenciamento ambiental, que tramita nesta Casa há 21 anos – 17 anos na Câmara e 4 anos neste Senado.
Mas essa jornada começou muito antes, há quase 37 anos, quando promulgamos a nossa Constituição, e passa pelo debate que desembocou na Lei Complementar 140 de 2011, feita por esta Casa. A lei 140 já determina a divisão de competências para licenciar entre União, Estados e municípios. Muitos ignoram que não é só Ibama e o Conama que têm essas atribuições, mas todos os entes federativos, cada um na sua esfera e tipicidade.
O que estamos fazendo agora, com essa nova lei, é dar consequência jurídica à legislação de 2011. Basicamente, pretendemos licenciar com mais clareza, eficiência e justiça. O atual “cipoal normativo” — com regras sobrepostas entre os diversos órgãos e esferas de poder — trava iniciativas importantes, gera litígios desnecessários e desestimula investimentos responsáveis.
Esse vácuo de 21 anos sem um marco legal de licenciamento causou todo tipo de transtorno. Foram duas décadas de inação, marcadas por insegurança jurídica, morosidade e contradições que prejudicaram tanto a proteção ambiental quanto o interesse público. Existem hoje, acreditem senadoras e senadores, mais de 27 mil normas ambientais.
Essa realidade disfuncional pode ser medida em números: em 2022, o então Ministério da Infraestrutura listou 5053 obras paradas, em razão de problemas no licenciamento ambiental – eram rodovias, ferrovias, hidrovias, linhas de transmissão, minerodutos, gasodutos, cabos óticos. Em 2021, tínhamos 52 hidrelétricas interrompidas pelo mesmo motivo e dez foram simplesmente abandonadas. Também em 2022, contavam-se 66 obras de saneamento básico e de abastecimento de água paralisadas pela falta de entendimento sobre regras ambientais.
É por isso, caros colegas, que 89 entidades representativas de vários setores produtivos nos entregaram ontem e publicaram hoje nos jornais uma carta aberta em apoio ao novo marco do licenciamento ambiental. Não é possível conviver mais com esse ambiente caótico. Nós precisamos parar de travar o desenvolvimento do Brasil – e essa é sem dúvida uma responsabilidade do Congresso Nacional. Nenhum país do mundo condena seu povo a ficar sem luz, sem água e esgoto, sem estradas, enfim, sem prosperidade, em razão dos desafios de conciliar atividade econômica com preservação ambiental.
Acabei de usar aqui o verbo conciliar. Conciliar: foi isso que fizemos, como relatores dessa matéria, o senador Confúcio e eu, ao longo dos dois últimos anos nas Comissões de Meio Ambiente e Agricultura. Nosso relatório único, fruto do acordo possível – ainda ficaram poucas divergências, que vão a voto aqui – não atende a todos os anseios de empreendedores e nem de ambientalistas. Mas significa um verdadeiro instrumento de mediação, sem exageros de um lado ou de outro, ancorado em fundamentos jurídicos sólidos que compõem o sistema de licenciamento ambiental.
Vou repetir aqui o que temos exaustivamente esclarecido nos últimos dias em razão de narrativas ideológicas, de pura má fé. A proposta não enfraquece o licenciamento. Muito pelo contrário. Ela reafirma o compromisso com o rigor técnico, exige estudos de impacto ambiental, audiências públicas e avaliação trifásica para grandes obras. E até dobra penas para quem desrespeitar a legislação. Crime ambiental continua sendo crime – e supressão de qualquer vegetação nativa sem licença continua proibida.
O que muda é o tratamento de atividades que não sejam de significativo impacto, que passam a ter procedimentos mais ágeis, como as Licenças por Adesão e Compromisso (LACs), já utilizadas com sucesso há nos em diversos Estados, inclusive na Bahia, pelo então governador e querido colega, senador Jaques Wagner. A constitucionalidade da LAC já foi reconhecida pelo STF para baixo impacto e pequeno porte.
Ao contrário do que dizem, não há inconstitucionalidades: o médio impacto estará coberto justamente pela promulgação desta lei. A principal razão da atual judicialização do licenciamento ambiental no STF é exatamente a ausência de lei federal que estabeleça normas gerais, acima das leis estaduais. A partir de agora, haverá, portanto, legislação federal – e isso põe fim a falsas polêmicas e controvérsias jurídicas. Legislar, meus colegas, é bom que se reafirme neste momento, não cabe a Conselhos, nem a órgãos do Executivos nem a ONGs: é prerrogativa desse Congresso Nacional, é para isso que fomos eleitos e disso não abriremos mão.
Não há também, em hipótese alguma, auto licenciamento previsto no projeto. Ao aderir à LAC, o empreendedor não declara ou decide o que ele vai fazer, como querem fazer crer, mas se submete a uma série de exigências determinadas pela autoridade licenciadora em atividades que ela conhece muito bem, como, por exemplo, a carcinicultura no Rio Grande do Norte ou a suinocultura em Santa Catarina. Os Estados conhecem do início ao fim os potenciais impactos desses empreendimentos.
Dizer que a nova lei é um retrocesso é ignorar a realidade dos últimos 20 anos. Nesse período, na ausência de lei clara, o Brasil viveu tragédias ambientais, perdas humanas e degradações severas. Isso sim foi devastador. Deixar tudo como está é o verdadeiro retrocesso. O projeto inova também ao incluir todos os setores produtivos no marco do licenciamento.
Por último, mas não menos importante, para todo esse sistema funcionar, a fiscalização dos órgãos públicos precisa sim ser reforçada, com investimento nos setores de meio ambiente e capacitação técnica para lidar com os desafios crescentes, impostos inclusive pelas mudanças climáticas. Fiscalizar bem exige regras claras, procedimentos definidos e instituições fortalecidas.
A nova lei traz prevenção, transparência, prazos e ritos definidos, segurança jurídica e equilíbrio entre desenvolvimento e preservação, garantindo a participação popular. É possível — e fundamental — preservar o meio ambiente, como já fizemos com a instituição do Código Florestal, em 2012, depois de dez anos de debates. Agora, chegou finalmente a vez do licenciamento ambiental. A aprovação do PL 2159/2021 é uma escolha pelo bom senso, pela sustentabilidade e pela dignidade de milhões de brasileiros. Peço aos meus pares que aprovem, com a seriedade que nos cabe como legisladores, esse projeto.
Não posso terminar minhas palavras sem agradecer primeiramente ao senador Confúcio e a todos os meus colegas que contribuíram, nas Comissões, com esse trabalho. Agradeço especialmente ao nosso presidente Davi, que assumiu para si a tarefa de não mais postergar esse assunto. E ao presidente Rodrigo Pacheco, que deu o pontapé inicial a essa tramitação no Senado. E também ao senador Contarato, que teve a isenção para colocar essa matéria em votação.
Meu agradecimento também à consultoria do Senado e às nossas qualificadas equipes de gabinete, incansáveis nas dezenas de reuniões para ouvir todos os setores produtivos, ONGs ambientais, órgãos federais, estaduais e municipais. Aqui se apresentam o esforço, a inteligência e a expertise de muitos, inclusive da Câmara dos Deputados, direcionados à busca do bem comum e à construção de um futuro sustentável e próspero para os brasileiros. Muito obrigada a todos.”